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O novo direito penal do trabalho por José Eduardo de Resende Junior

Jornal Estado de Minas - 15/06/2009
DIREITO & JUSTIÇA
 
O novo direito penal do trabalho
 
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
 
 
Juiz do Trabalho titular da 21ª Vara de Belo Horizonte, doutor em direitos fundamentais pela Universidad Carlos III, de Madrid, vice-presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra)

O direito penal do trabalho é um ramo praticamente inexistente no Brasil. O professor italiano Umberto Romagnoli observa, tomando um conceito de Nietzsche, que nele assenta a “má consciência” do ordenamento jurídico, ou seja, nessa parcela diminuta da ciência dos direitos escondem-se e reprimem-se seus instintos e sua vocação natural para a tutela da sociedade. A proteção do trabalho humano é ainda muito recalcada, reprimida pela consciência liberal. O charme da livre iniciativa, do herói empreendedor, ofusca o brilho tosco do labor e do suor do homem sem valia.

Por outro lado, a origem dessa disciplina está também muito marcada por um viés fascista. Em seus primórdios, no século passado, esteve ligada à concepção de proteção da produção econômica e não do trabalho, mais precisamente da garantia da manutenção da “força-trabalho”. Nessa linha, historicamente, o direito penal do trabalho servia inclusive à criminalização da greve.

Com essa dupla associação – recalque liberal e origem pouco nobre – o direito penal do trabalho foi convenientemente esquecido pelas universidades, adormeceu nas prateleiras das bibliotecas e na inércia de seus dispositivos legais homologou-se um completo abandono forense. Mas esse silêncio eloquente, na boca muda da lei, já começa a incomodar.

No estado democrático de direito exsurge, entretanto, um novo direito penal do trabalho que pode e deve encontrar sua pulsação natural na vida social. Liberando-se de suas raízes corporativistas, da pura garantia da força-trabalho, sua nova função na República passa a se voltar à proteção da pessoa do trabalhador, do meio ambiente de trabalho, dos direitos sociais, por um lado, e à consagração da liberdade sindical e de trabalho, de outro. Nessa última perspectiva, tende a fortalecer a repressão estatal às condutas antissindicais e às condições de trabalho análogas às de escravo.

O direito penal do trabalho não está associado ao direito penal clássico e, por isso, não pode nem deve ser articulado sob os mesmos princípios do liberalismo político que inspiraram os chamados direitos humanos de primeira dimensão. A nova tutela penal-trabalhista está muito mais associada aos direitos fundamentais de segunda geração, os chamados direitos sociais, que aos civis clássicos.

Nessa mesma ordem de ideias, as novas dimensões dos direitos humanos, quais sejam, os direitos ao meio ambiente e à bioética, desafiam uma tutela penal específica, com princípios reitores próprios e moldados a suas características.

O direito penal do trabalho está mais próximo ao novo direito penal econômico, da repressão aos chamados “crimes do colarinho branco”, que têm um histórico de impunidade e de tolerância 100%. Nessa esfera, cogita-se da penalização da pessoa jurídica e aproxima-se do direito administrativo sancionador.

A despeito dessa nova vocação tuitiva e de emancipação do direito penal do trabalho, esse ramo jurídico continua inerte na prática judiciária, principalmente, porque os atores institucionais responsáveis por sua aplicação não estão aparelhados e vocacionados para essa atuação no mundo do trabalho, mesmo por estarem assoberbados com outros tipos de demanda.

Além da vocação natural da Justiça do Trabalho para tutela penal-trabalhista, não é demais lembrar que esse ramo do Judiciário é o que tem menor taxa de congestionamento, segundo os últimos levantamentos estatísticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo, dessa forma, a Justiça com maior capacidade de atender a novas demandas sociais.

Uma vez posto em prática efetiva, o direito penal do trabalho irá, aliás, valorizar a concorrência sadia, reprimindo o dumping social e a concorrência desleal, fundada na precarização, na mercantilização do trabalho e no descumprimento dos direitos sociais. Os mecanismos modernos de transação penal, por outro lado, permitirão inclusive a ênfase em medidas pedagógicas, antes da intervenção meramente punitiva.

A fim de proceder à defesa dessa nova visão tutelar do direito penal do trabalho é que várias entidades representativas do mundo laboral – sindicalistas, juízes, Ministério Público, advogados, fiscais do Trabalho etc. – estão convocando a sociedade civil organizada para uma frente trabalhista em prol da competência penal da Justiça do Trabalho.

O que se percebe, hoje, é que há um consenso doutrinário no sentido de que a sistemática mais adequada e eficaz para a proteção de grupos hipossuficientes é a concentração ou defragmentação, não só da tutela jurídica, mas também da tutela judiciária, num único órgão, a partir da ideia de “unidade de convicção”, ou seja, a perspectiva de conjugar, simultaneamente, a tutela patrimonial à penal.

É no sentido dessa confluência interdisciplinar que foi promulgada a recente Lei 11.340, de 8 de agosto de 2006, a chamada Lei Maria da Penha, que, como se vê seus artigos 13, 14 e 33, concentra, num mesmo órgão judicial, a proteção contra a violência à mulher, tanto do ponto de vista cível como do penal. Nessa mesma linha aponta a novel lei espanhola de repressão à chamada violência de gênero.

Os direitos são construções do homem, em permanente elaboração, cuja evolução coincide com o desenvolvimento de nossa sensibilidade para a tutela dos direitos fundamentais, sem culpa e má consciência.

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